UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
SECTOR DE PEDAGOGIA
Trabalho Académico de T.I.C
TEMA:
EDUCAÇÃO
COMPARADA: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E INVESTIGAÇÕES
elaborado por:
Cristina Calinga
Domingas Helena Luis
Imaculada Calei
Orientado Por: Franclin Vilolo Tch. Bastos
INTRODUÇÃO
A educação comparada historicamente dedicou-se à descrição de sistemas
educacionais em desenvolvimento em vários países do mundo. Essa tarefa era
desenvolvida por pesquisadores ligados ao campo educacional ou à área dos
estudos da administração escolar. Viajavam pelo mundo coletando informações e
a partir delas aplicando em seus sistemas de ensino de origem. Eis o ponto de
partida e também o de maior intensidade do debate, uma vez que a educação
comparada não se reduz a esse fim tão somente.
Neste trabalho
pretende-se percorrer essa trajetória de construção do campo educacional
comparatista, evidenciando sua história e os avanços que afetam o debate em
razão das melhorias sociais, econômicas e educacionais ocorridas nas últimas
décadas.
Todavia, Ferreira (2009) nos alerta que comparar não é uma prerrogativa
da educação, da pedagogia ou de uma área específica do seu campo de
investigação. Não é um procedimento metodológico inventado para se comparar
somente sistemas educacionais. Durante seu desenvolvimento esteve presente
como recurso de pesquisa em várias áreas do conhecimento, como a história, a
sociologia, o direito, a medicina, a literatura, entre outras.
Perspectivas teóricas
e investigações
A
EDUCAÇÃO COMPARADA NO TEMPO: ESBOÇO DE UMA ARQUITETURA
Sistematicamente,
a educação comparada inicia-se nos primórdios do século XIX, e recebeu várias
classificações segundo os diversos autores que buscaram sistematizá-la ao longo
dos anos. Não se trata de algo definitivo e hermético, mas o esboço de um
movimento no tempo e o esforço na compreensão das principais características
dos estudos comparados.
Remontando a
educação comparada no tempo em seus primeiros levantamentos mais sistemáticos,
a fim de mapeá-la teoricamente, encontramos em Marc-Antoine Jullien o ponto de
partida, no sentido de buscar sua sistematização, em 1817, com a obra Esquise
et vues préliminaires d’un ouvrage sur l’éducation comparée. Em linhas
gerais, a educação comparada se fundamentaria no estudo e compreensão da
educação em todos os Todavia, Hans (1971, p. 4) lembra que “[...]
historicamente, os estudos de educação comparada não foram comparativos no
início, porque se limitavam a oferecer descrições e informações a respeito da
educação dos países estrangeiros.” É a partir desta constatação que a maioria
das definições para educação comparada se sustenta. E é neste aspecto que se
encontram as suas limitações conceituais, indicando-nos que, presentemente,
carece de uma ampliação da sua base conceitual e é exatamente o que vem
ocorrendo nos atuais estudos acerca do tema.
Para Ferreira
(2008, p. 125) “[...] a educação comparada surgia, assim, num contexto
histórico em que a expansão escolar e a afirmação da ciência se constituíam
como pilares fundamentais do progresso, exactamente para poder contribuir para
reformas educativas mais fundamentadas.”
A educação comparada tem o foco central de suas investigações
baseado no estudo dos sistemas educacionais nacionais e internacionais. Esta é
uma ideia basicamente comum entre os comparatistas, apesar de que, durante o
desenvolvimento teórico da própria educação outros temas surgirão no âmbito da
comparação.
Para Kandel, a
educação comparada se dedica às causas que atuam no desenvolvimento dos
sistemas educacionais, bem como se ocupa da compreensão, inclusive, das
semelhanças e diferenças entre distintos sistemas; assim, “[...] ao mesmo
tempo, produz certa sensibilidade para os problemas comuns e para as diferentes
formas em que são resolvidos sob diferentes condições nacionais.” (KANDEL,
1961, p. 19).
Em Lourenço Filho
(1961, p. 9) encontramos a ideia de que a educação é “[...] um vasto domínio de
estudos interdisciplinares” que não pode prescindir de dados históricos e
sociais relativos a cada país e seus respectivos sistemas de ensino. Em sua
análise a educação comparada refere-se a um “[...] certo tipo de estudos,
primeiramente caracterizado pela escala de observação que emprega e, assim, a
extensão do objeto que tem em vista elucidar: esses objetos são os sistemas
nacionais de ensino.” (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 5).
No entendimento de
Hans (1971, p. 18), “[...] os sistemas nacionais de educação são a expressão
exterior do caráter nacional e, como tal, distinguem uma nação da outra.”
Seguindo outra
linha de reflexão, distinta da ideia dos sistemas de ensino, King (1965) afirma
que a educação comparada é o estudo (comparado) do processo educativo, logo,
não pode se simplificar aos sistemas de ensino, ou simplesmente reduzir-se nas
comparações entre diversos países ou de realidades dispersas e diversas.
Na compreensão de
Bonitatibus (1989), “[...] a questão da definição de um objeto de estudo para a
educação comparada” passa por um “espectro de afirmações”, como, por exemplo:
a educação comparada estuda os sistemas educativos, os sistemas nacionais de
educação, os sistemas nacionais de ensino, os fatos pedagógicos, os fatos
educacionais, o processo educativo ou as inter-relações entre educação e
sociedade.
Para Bonitatibus
(1989), a educação comparada pode ser apresentada a partir de cinco
periodizações baseadas nas construções teóricas dos principais formuladores e
compiladores comparatistas: Schneider (1966), Noah e Eckstein (1970), Vexliard
(1970), Márquez (1972) e Bereday (1972).
Schneider em obra
de 1966, “La pedagogia comparada: su historia, sus princípios y sus métodos”,
apresenta a educação comparada em duas fases: assistemática ou pré-científica e
sistemática ou científica.
Estas duas fases
representariam a passagem do tratamento do objeto sob investigação de maneira
ocasional, ou, como prefere chamar, as Por fim, a explicação pelas ciências
sociais, última fase entre aquelas sistematizadas por Noah e Eckstein (1970), é
o momento em que os comparatistas fazem uso dos métodos quantitativos adotados
nas ciências sociais, objetivando produzir dados e análises estatísticas sobre
os sistemas de ensino.
Na Pedagogia
Comparada: métodos e problemas, Vexliard (1970) classifica a educação
comparada em quatro períodos: a etapa estrutural, a fase dos inquiridores, as
sistematizações teóricas e o período prospectivo.
A etapa estrutural
é marcada pela obra Esquisse, de Marc Antoine Jullien (1817), marco
inicial da educação comparada, onde se encontram os princípios metodológicos
dos estudos comparados em educação.
Na fase dos
inquiridores pessoas ligadas à educação, enviadas pelos governos nacionais,
percorriam e estudavam os sistemas de ensino europeus e dos estados
norte-americanos para estudar os seus sistemas de ensino e, por intermédio dos
relatórios dessas viagens, elaboravam-se reformas nos países dos viajantes
inquiridores.
As sistematizações
teóricas é um momento dos estudos comparados marcado por uma preocupação
histórica, que busca dar conta do entendimento do surgimento dos sistemas de
ensino e sua relação com o meio social em que se constrói e consolida, enquanto
o período prospectivo se preocupa com o futuro da educação e dos sistemas
educacionais a partir do acúmulo de estudos realizados (VEXLIARD, 1970).
Em Educación
Comparada: teoría y metodologia, Márquez (1972) elabora a seguinte
classificação: período pré-científico, científico, analítico-explicativo,
comparativo.
No período
pré-científico o exercício comparativo dos sistemas educacionais é ainda
baseado nas experiências relatadas pelos viajantes, enquanto no período
científico identifica-se a presença importante de Marc Antoine Jullien e outros
comparatistas disseminados pela Europa e América do Sul (MÁRQUEZ, 1972).
Na fase analítico-explicativa
o enfoque das investigações comparadas está marcado pelo elemento histórico,
e, em alguns momentos, as abordagens seguem o viés filosófico e antropológico.
Destaca-se a busca pelo entendimento das construções dos sistemas de ensino no
transcorrer dos tempos e, importante frisar, as influências das formas de
pensar e agir politicamente de determinadas conjunturas culturais, econômicas e
sociais (MÁRQUEZ, 1972).
O período
comparativo caracteriza-se pelas comparações dos elementos integrantes de uma
dada forma de administração escolar e a maneira como organiza os sistemas de
ensino. Nessa etapa a educação comparada recebe fortes influências de
elementos teóricos das ciências sociais, bem como métodos de investigação
específicos desta área (MÁRQUEZ, 1972).
Para Bereday
(1972), no Método Comparado em Educação, a educação comparada pode ser
classificada em três períodos: Empréstimos, Predição, Análise.
O período dos
empréstimos é marcado pela “catalogação de dados educacionais descritivos” que
são comparados entre si e, posteriormente, transplantando-se as práticas e
experiências que mais se destacavam.
A segunda etapa
dos estudos comparativos era composta por um processo de preparação, que
Bereday convencionou chamar de predição “[...] porque o fim do estudo
comparativo já não era, primariamente, tomar emprestado o sistema de educação,
mas predizer-lhe o sucesso provável num país à base da observação dos
precedentes e de experiências semelhantes de outros países.” (BEREDAY, 1972,
p. 25).
A terceira fase
refere-se ao período de análise, em que a preocupação central é “criar a
unidade do mundo”, ou uma espécie de “educação internacional”, ou seja,
“desenvolver teoria e métodos, na clara formulação das etapas de processos e
mecanismos comparativos para facilitar esse alargamento de visão”, em suma,
“[...] o aumento das relações fraternais entre as nações, por meio da
educação”, isto é, os sistemas educacionais estariam emparelhados de tal forma
que unificariam a todos os demais sistemas mundiais (BEREDAY, 1972, p. 36).
É nesta lógica que, segundo Bereday (1972), a educação comparada e
o método comparatista são fundamentais para os planejadores de políticas e
ações educacionais.
Em síntese,
observa-se uma linha contínua, evidentemente acompanhada de um aprofundamento
reflexivo ao longo do tempo, entre aqueles comumente denominou-se de fundadores
do pensamento comparatista.
Passa-se de uma
etapa assistemática para outra mais consistente onde se percebe uma preocupação
mais crítica com a investigação e o objeto sob estudo propriamente dito.
Todavia, esse movimento segue um padrão em seu desenvolvimento:
Observa-se que de
uma fase assistemática e/ou pré-científica mais baseada nos empréstimos das
experiências educacionais alheias por parte dos viajantes, na maioria das vezes
pessoas ligadas a setores educacionais, vai-se passando por momentos mais
consistentes nas experiências comparadas, até atingir etapas mais críticas,
explicativas das realidades locais e nacionais, buscando uma comparação mais
elaborada e analítica. Mas, devemos sempre lembrar que ao estudar em
profundidade e comparativamente os sistemas educacionais nacionais, em última
instância a ideia que perpassa esses levantamentos e estudos é ou fazer uma
crítica às políticas educacionais, ou inspirar essas próprias políticas.
Contemporaneamente, Nóvoa (2009) em pesquisa realizada na década
de 1990, traz ao público pesquisador e estudioso da educação comparada e do
método comparatista outra forma de olhar para a sua arquitetura. Assim,
inspirado em Michel Foucault, elaborou um “mapa das comunidades discursivas da
educação comparada.”
Desse modo, a
partir de um extenso levantamento dos autores comparatistas e/ou estudiosos do
método comparado, elaboraram-se duas dimensões: uma horizontal e outra
vertical. Na primeira encontram-se as teorias
e
na segunda, as abordagens. A partir desse
modelo o autor estabeleceu sete configurações que congregam as mais diversas
perspectivas no campo da educação comparada: historicistas, positivistas,
modernização, resolução de problemas, críticas, sistema mundial e
sócio-históricas (NÓVOA, 2009).
Em cada uma das
perspectivas o autor aponta os aspectos mais importantes identificados no
levantamento realizado.
A perspectiva
historicista foi o primeiro movimento no campo da educação comparada. Trata-se
de comparações diretas entre a estrutura e as formas de funcionamento dos
sistemas escolares internacionais e as experiências de âmbito nacional. Em
linhas gerais, historicamente a educação comparada preocupou-se com a coleta de
dados e informações da educação e do ensino desenvolvidas no mundo, bem como
evidenciar as suas eventuais modificações estruturais e organizacionais visando
um constante desenvolvimento dos sistemas de ensino (NÓVOA, 2009).
A busca por um
método comparativo e a prática de isolar elementos integrantes dos sistemas
escolares para fins de estudo, por acreditar que esse procedimento seria o mais
adequado, assim como que a proposição e formulação de leis e ordenamentos
contribuiriam por si só para a melhoria e transformação dos sistemas de ensino,
constituem a perspectiva positivista no campo da comparação (NÓVOA, 2009).
Acreditar na educação como um elemento central no desenvolvimento
e na modernização é a ideia que perpassa os argumentos e postulados da
perspectiva pautada na modernização. Essa perspectiva entende a educação
comparada como “um momento de tomada de decisão”, uma vez que se propõem a
construir “classificações e tipologias destinadas a orientar as políticas educativas”
promovidas internamente nos países ou vindas de fora sendo apresentadas por
agências internacionais de produção de políticas públicas. Nessa perspectiva há
uma forte ênfase por estudos marcadamente estatísticos, quantitativos e
correlacionais (NÓVOA, 2009, p. 42).
No campo da
perspectiva da resolução de problemas tem-se uma ênfase marcadamente
positivista: mediante o método comparatista seriam criadas leis gerais e/ou
hipóteses a fim de anunciar futuros problemas que deveriam ser solucionados por
meio da dedução. Essa perspectiva recebe influência marcante das concepções de
Dewey e Popper (NÓVOA, 2009, p. 44). Sinteticamente, a abordagem comparativa
seguiria um roteiro previamente definido que basicamente partiria da
identificação de um problema educacional devidamente contextualizado, coleta de
dados para comparação, elaboração de “tipos ideais” e proposição de elementos
de previsibilidade de resultados futuros para as ações e políticas propostas.
Por outro lado, a
abordagem crítica, identificada e mapeada por Nóvoa (2009), representa uma
cisão com as abordagens que lhe antecederam em virtude do abandono da
centralidade dos sistemas educacionais na condução das metodologias
comparatistas. A nova forma de conduzir a reflexão comparatista tem respaldo na
concepção crítica que se passa a elaborar a partir das ações dos organismos
internacionais e os efeitos negativos que começa a produzir na organização da
educação e da política educativa nos países contratantes dos seus
financiamentos.
Nóvoa a partir de
uma referência aos estudos de Arnove, Altbach e Kelly (1982) aponta uma ruptura
teórica com as demais perspectivas, que se fundamentaria em pelo menos três
novos argumentos: a) as concepções comparatistas anteriores contribuíram
fortemente “na manutenção de uma ordem social injusta e desigual”, b) produziam
políticas geradoras de “dependência em nível mundial” e c) enfatizavam análises
educacionais pautadas nos “produtos da escola” (NÓVOA, 2009, p. 46).
Os estudos
críticos no campo da educação comparada propõem uma inversão no alcance das
análises comparatistas, ou seja, que os sistemas deixem de ser o foco da
atenção e que novos elementos sejam postos em evidência, como, por exemplo, os
sujeitos envolvidos no processo de elaboração das políticas educativas;
entretanto, destacando que essa discussão deve obrigatoriamente perpassar uma
visão crítica da presença e atuação do Estado e a relações por ele engendradas
no espaço de disputa pelas proposições educacionais.
A perspectiva do
sistema mundial representa uma concepção complexa em razão mesmo dos
argumentos que apresenta e com os quais busca estabelecer rupturas, pois “vai
contra algumas das lógicas tradicionais do trabalho de comparação”, ou seja,
“a ideia de que o mundo é constituído por uma quantidade de sociedades
regionais ou nacionais com autonomia própria e histórias distintas.” (NÓVOA,
2009, p. 47).
Essa forma de pensar a educação comparada acredita que no campo
educacional existem elementos que se desprendem da ideia de uma nacionalidade
ou regionalidade, colocando-se como realidades supranacionais e
transfronteiriças, como é o caso da educação.
Por fim, as perspectivas sociohistóricas. Nessa concepção há uma
reformulação acerca da maneira como as comparações eram até então conduzidas.
Propõe-se uma “passagem da análise dos fatos à análise do sentido histórico dos
fatos.” (NÓVOA, 2009, p. 49).
O levantamento
teórico e conceitual acerca da educação comparada e dos métodos comparatistas
evidenciados por Nóvoa em seu estudo possibilitou ao autor uma compreensão do
movimento de reconfiguração neste campo de investigação que se concretiza no
seu próprio ciclo histórico, ou seja, a identificação de “novos problemas,
novos modelos e novas abordagens”, propriamente ditas (NÓVOA, 2009, p. 51).
Enfim, entre os
estudiosos da educação comparada é comum a ideia de que o método comparatista
contribui sobremaneira para o avanço no entendimento dos sistemas escolares
mundiais. A questão que deve ser considerada é a maneira como o pesquisador
trabalhará com estes dados, ou seja, os dados levantados pelos organismos
nacionais e internacionais poderiam servir a vários interesses ao
desenvolvermos o exercício da comparação.
Neste sentido, o
exercício da comparação pode ser fundamental a fim de entendermos as nuances
que as políticas centrais tomam em cada nação. A partir do uso do método
comparativo é possível desvelarmos asrazões do sucesso e fracasso de uma mesma
política em realidades distintas, bem como as suas formas de gestão.
Discordâncias à
parte, a educação comparada ao mesmo tempo que sustenta seus estudos a partir
da reflexão comparativa dos sistemas de ensino emergentes quando da criação dos
primeiros sistemas nacionais de educação, também é retroalimentada por estes.
Isto quer dizer que à medida que os sistemas de ensino nacionais se
desenvolvem, aprimorando e consolidando políticas e programas educacionais,
também fortalece a própria comparação.
Todavia, entre as
preocupações dos autores mais atuais no estudo e na compreensão da educação comparada
algumas merecem destaque: a questão da forma como se constitui a educação
comparada e os seus referenciais teóricos e metodológicos.
Acerca da
constituição da educação comparada um elemento sempre presente em seus estudos
e pesquisas é a figura do Estado nacional. De certa forma é compreensível, pois
é por intermédio da atuação dos estados nacionais que ocorre a criação,
organização e expansão dos primeiros sistemas de ensino. E como o objetivo dos
primeiros comparatistas era observar e tomar experiências como modelo desses
sistemas compreende-se a sua vinculação mais próxima com o Estado.
Entretanto, passada a fase exploratória e das compilações, bem
como da evolução e aprimoramento dos sistemas de ensino pelo mundo, deve a
educação comparada voltar-se para outras questões, inclusive os próprios
problemas gerados pela transposição de modelos de sistemas escolares a partir
de realidades desconexas das quais para onde foram aplicados e desenvolvidos,
mesmo porque a actual configuração da educação no mundo contemporâneo estimula e
promove o interesse pela comparação e compreensão de certos elementos comuns
às formas que tomam em cada país a organização das suas estruturas
educacionais.
CONCLUSÃO
Neste trabalho
buscou-se uma compreensão histórico-conceitual da educação comparada a partir
dos principais autores que a constituíram como campo de actuação e investigação,
bem como as formas metodológicas que eles adoptaram, diversificadamente,
enquanto construção de um marco teórico para a descrição e análise dos sistemas
educacionais.
Entretanto, como
ressaltamos no início do texto, a comparação não está restrita ao círculo
educacional e pedagógico, tendo servido teórica e metodologicamente a outros
campos do saber. Pode-se dizer que a educação comparada, por adotar
metodologia comum a outras áreas do conhecimento, atrai para o seu horizonte
analítico a contribuição de outras ciências, tornando-se, durante o seu
desenvolvimento, em um referencial marcadamente interdisciplinar.
O texto procurou
dar conta de uma incursão acerca dos principais enfoques em torno da educação
comparada, bem como uma exposição da sua arquitetura teórica passando de
perspectivas não críticas para outras de caráter mais elaborado teoricamente.
Em síntese,
pode-se reafirmar que existe uma diversidade de classificações na educação
comparada, bem como autores cujo entendimento é fundamental para sua
compreensão, como, por exemplo, e citando apenas alguns: Marc-Antoine Jullien,
Bereday, Hans, Kandel, Kazamias e Massialas, King, Kneller, Lourenço Filho,
Márquez, Noah e Eckstein e Vexliard. Contemporaneamente se fez alusão a
Bonitatibus, Ferreira, Ferreira, Marcondes, Nogueira, Nóvoa, Schriewer,
Schriewer e Pedró.
Em torno da
arquitetura da educação comparada construída a partir da experiência de
pesquisa dos autores citados foi possível observar uma espécie de arco teórico
e metodológico que se torna mais visível com os estudos de Nóvoa (2009). Nesse
arco encontramos desde as perspectivas mais positivistas, passando por análises
comparatistas mais críticas até o oposto evidenciado nas tendências mais
preocupadas com novos elementos surgidos na contemporaneidade e que afetam as
metodologias comparatistas.
Certamente, uma
das ideias fortes no debate refere-se à metodologia dos estudos comparados e,
neste sentido, a compreensão do entendimento conceitual do “outro” em
comparação. Historicamente comparam-se realidades diversas; lembrando que
estamos tratando de sistemas educacionais. Isto quer dizer que a realidade
organizacional do aparelho educativo de um dado país, por exemplo, serviria em
razão do seu sucesso no local de origem, como solução para os problemas
educativos em outros países. Evidentemente que raciocínio similar pode ser
elaborado a partir das experiências internas em um mesmo país.
Nesta transmissão se evidenciam as maiores dificuldades para os estudiosos
e pesquisadores comparatistas: a transposição da experiência de “um outro” para
dar conta da realidade diversa “daquele outro” que se faz produzir em
realidades e contextos diversos e até mesmo distantes. É como se não houvesse
subjetividade na identificação, elaboração e desenvolvimento de ações
educacionais no contexto de nações e regiões diversas.
Reafirmamos
passagem citada no conjunto do texto com o intuito de dar mais visibilidade à
questão: “[...] o outro é a razão de ser da educação comparada: o outro que
serve de modelo ou de referência, que legitima as ações ou que impõe silêncios,
que se imita ou que se coloniza.” (NÓVOA, 2009, p. 24).
Uma variável
certamente importante no debate das investigações comparatistas diz respeito à
sua vinculação com os estudos e pesquisas desenvolvidos pelos organismos
internacionais. Nesse sentido, Ferreira (2008) indica que é natural a educação
comparada estar condicionada por interesses pragmáticos e imediatistas daqueles
que promovem as políticas educacionais; e também é natural que suscite reações
daqueles que não a entendem simplesmente como uma concepção técnica, e exigem
uma postura mais crítica.
Internacionalmente,
tanto técnica quanto teoricamente, a referência, neste caso, são os estudos
desenvolvidos pelo Banco Mundial, Unesco e OCDE. Essas instituições fazem uso
do método comparatista recolhendo dados dos diversos elementos que compõem os
sistemas educacionais, como, por exemplo: avaliação, formas de financiamento,
instrumentos de formação de professores, produção de livros didáticos,
mecanismos de gestão escolar, entre outros. De posse dessas informações buscam
“enquadrá-las” em realidades diversas daquelas que as produziram e informar ao
“outro” o que é melhor para si em termos de política educacional em contextos
globalizantes.
Presentemente, a
educação comparada encontra-se em um momento bastante dinâmico abordando temáticas
diversas, passando por leituras antropológicas, orientações mais marxistas e
atingindo os olhares presentes nas tendências pós-modernas. Uma série de
estudos vem sendo desenvolvidos, tanto no âmbito nacional quanto internacional.
Concluindo, pode-se dizer que a educação comparada vem atravessando um momento
importante no meio acadêmico, em parte, como resultado pelo próprio movimento
que tem perpassado pela reflexão e autorreflexão dos seus pesquisadores e,
também, por uma renovação no interesse pela comparação (MADEIRA, 2009). A
diversidade de posicionamentos no campo teórico e metodológico é outro
elemento que vem aguçando o espírito crítico no escopo comparatista, bem como
a divergência e convergência entre seus autores fundamentais.
Enfim, devem ser apontados alguns elementos que merecem aprofundamento
no debate. Um deles é a questão do contexto, como categoria central e
fundamental no exercício metodológico da comparação, devidamente associado ao
conceito de globalização. Este, por sua vez, marcado pela complexidade,
diversidade, relações entre nacional e internacional e entre local e global.
Certamente, tratam-se de elementos em fronteiras de reflexão e aplicabilidade
no campo educacional e, notadamente, na gestão das políticas públicas.
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